Quando vou ler as notícias de manhã, primeira atividade do meu dia, tenho que dar aquela respirada, puxar o ar com vontade, e soltar devagar, pra dar aquele preparada no corpo e no espírito pro que está por vir. Porque é sempre péssimo, desolador. Eis que na quinta-feira me surpreendo com algo bom. Aliás, bom nada. Excepcional. Inédito. E que merece ser comemorado.
O deputado Fernando Cury (Cidadania), da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), foi condenado e teve seu mandato suspenso por 180 dias. Por seus próprios pares. Detalhe: Por unanimidade! 86 votos a zero. Ficará afastado de suas atividades por seis meses, sem salário, sem verba de gabinete, sem equipe. A meu ver, desempregado. E acho é pouco. Tinha era que ser cassado. Mas aí era esperar demais dos políticos brasileiros, né?
Ontem teve mais surpresa. O Ministério Público de São Paulo denunciou à Justiça o deputado pelo crime de importunação sexual. Em trecho da denúncia, está escrito que o MP não oferece proposta de acordo “seja porque o denunciado não confessou a prática do crime, seja porque o crime foi praticado contra mulher por razões do sexo feminino, ou ainda porque o acordo não poderia ser considerado necessário e suficiente para a reprovação de prevenção do crime". É ou não é pra gente ficar feliz?
A deputada Isa Penna (PSOL), que sofreu o assédio sexual (só pra lembrar: teve seu seio direito apalpado por ele num falso abraço por trás), comemorou a decisão, claro, soltou nota, recebeu o apoio de vários famosos e famosas, inclusive, mas o que me deixou pasma foi a postura da esposa do deputado, que no dia seguinte à decisão da Alesp fez questão de postar uma mensagem no Facebook que jamais deveria ter ido a público.
Se autodeclarando “mulher de verdade”, Renata Cury simplesmente criticou as mulheres que denunciam assédio, sugerindo que isso se resolva na boa conversa. Não bastasse esse discurso absurdo, afirmou que a deputada Isa Penna usava de um feminismo vergonhoso, do tipo que se vira vítima quando convém, mas ao mesmo tempo se exibe rebolando até o chão. Oi? Vai ver que é por isso que ela tem um Macho Alfa em casa, né? Vergonha alheia da Renata, sério.
O que eu penso de tudo isso é que Isa deu sorte. Tinha câmera de segurança na Alesp, que flagrou a cena. Não tinha como não condenar. Mas e as milhões de mulheres que são apalpadas diariamente nos ônibus lotados e nos metrôs? O que resta a elas é botar a boca no trombone, literalmente. Passaram a mão em você? Grite, faça um escândalo. Constranja. Não deixe passar. Não se afaste, apenas. Esse tipo de homem que acha que tem o direito de apalpar, se esfregar numa mulher sem o consentimento dela, tem que ser exposto. Não dá pra perpetuar esse tipo de comportamento. Chame um segurança. Aponte o dedo. Não somos todas Isa, mas temos voz. E voz, minha amiga, é poder!
Isadora Martinatti Penna (São Paulo, 28 de março de 1991), é uma advogada trabalhista, feminista, militante dos direitos LGBT e política brasileira, eleita à Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) em 2018. É ativista da Rua - Juventude Anticapitalista e da Frente Povo Sem Medo.
É increditável pensar que uma mulher defenda atitudes desse tipo! Era melhor ficar calada, se pensa mesmo assim, ou se queria defender o marido. Não ha defesa pra ele ! Que vergonha ! Sejamos como a Isa ! Temos voz! Parabéns pelo texto , Gabriela!
Homem ou mulher, a cultura do país é sempre de tentar desqualificar a vítima para assim justificar o assédio e ficar com o discurso de que: a vítima merecia. De que a vítima precisa se dar ao respeito. Impressionante! Sorte da Isa! Justiça feita. Que tenhamos muitas outras Isas por aí. Texto excelente! Obrigada!