Misógino a gente sabe que ele é, desde sempre. Quando era deputado em fim de mandato, é que começou a chamar a atenção. No alto da tribuna da Câmara dos Deputados, em 2014, aos berros, ofendeu a deputada Maria do Rosário, dizendo que ela não merecia ser estuprada porque era feia. Bom, ofendeu não é bem a palavra. Eu nem sei qual usar para descrever a atitude dessa pessoa que hoje, difícil crer, usa a faixa presidencial e “comanda” o nosso país.
Até esse acontecimento eu mal sabia sobre ele. Era apenas mais um parlamentar, há anos, ou melhor, décadas, recebendo auxílio-paletó, verba de gabinete, auxílio-moradia, salário polpudo, cota postal (fala sério, isso ainda existe!), e tudo o que vem junto com aquele brochinho que, pregado na lapela, dá poder a quem o possui. Foram 27 anos mamando ali.
O resultado disso foi a apresentação de 170 projetos – muuuuuito “relevantes” como, por exemplo, inscrever o nome do ex-deputado federal Éneas Ferreira Carneiro no Livro dos Heróis da Pátria ou o que dá autorização para aplaudir a bandeira nacional depois da execução do hino. Dessas pérolas todas, apenas dois foram aprovados. Detalhe: nenhum tem a ver com a bandeira que Bolsonaro levanta: segurança pública e defesa das Forças Armadas. Nossos impostos pagaram o salário de um parlamentar inócuo por quase três décadas para aprovar dois míseros projetos.
Então, voltando à misoginia, o deputado virou presidente da República. E não poderia ser diferente: não soube conduzir a economia, a pandemia, a educação, a segurança pública, o meio ambiente, os direitos humanos, nada. E, toda vez que é confrontado sobre o caos em que o Brasil está mergulhado, é agressivo e descontrolado. O curioso, e que tem sido percebido, é que o alvo preferido dele são as mulheres.
Em agosto de 2019, um internauta bolsonominion postou a foto de Bolsonaro com a primeira-dama Michelle, com 37 anos na época. Na imagem, ele fez uma montagem comparando o casal brasileiro com o presidente da França, Emmanuel Macron e sua esposa, Brigitte, que tinha 66 anos de idade e é 25 anos mais velha que o marido. O comentário do presidente da nação brasileira para o post tosco? “Não humilha, cara Kkkkkk”.
Em fevereiro de 2020, a jornalista Patrícia Campos Mello, da Folha de São Paulo, foi outra vítima do presidente. Aos risos na saída do Palácio do Alvorado para os apoiadores desocupados que ali permanecem, Bolsonaro disse: “Ela queria um furo. Ela queria dar o furo a qualquer preço contra mim”. Explico: entre a gente, da imprensa, dar um furo significa publicar uma informação antes dos outros, algo inédito. Ele quis fazer um trocadilho, dando ao caso uma conotação sexual. Mas por essa piadinha infame ele pagou (ou melhor, ainda vai pagar, porque cabe recurso). Agora em março ele foi condenado, pela 19ª Vara Cível de São Paulo, a indenizar a jornalista (oh yes!) em R$ 20 mil, além de arcar com as custas e despesas do processo e honorários advocatícios. A juíza que proferiu a decisão? Inah de Lemos e Silva Machado. Uma mulher. Hahaha. Virei fã.
E os ataques continuam. Sempre dirigidos a jornalistas mulheres. Em 26 de abril deste ano, a repórter Driele Veiga, da TV Aratu, da Bahia, perguntou a Bolsonaro: “Presidente, o senhor foi criticado em uma foto postada dizendo ‘CPF cancelado’ em um momento em que há tantas pessoas morrendo. O que tem a dizer?”. A resposta foi a delicadeza de sempre: “Você não tem o que perguntar não? Deixa de ser idiota!”.
No início de junho, o descontrole piorou. Muito provavelmente porque está encurralado pela CPI da Covid e os indícios de corrupção em seu desgoverno mostram-se cada vez mais palpáveis. O alvo da vez foi a jornalista Daniela Lima, âncora da CNN Brasil. No telejornal que apresenta, Daniela comentava o saldo positivo – porém, o menor do ano – de vagas de emprego abertas em abril no país. No entanto, os apoiadores do presidente distorceram a fala, compartilhando nas redes sociais apenas a primeira parte da frase (“infelizmente, a gente vai falar de notícia boa”). Bolsonaro, mais uma vez, usou apenas essa parte da fala e comentou com seus apoiadores: “É uma quadrúpede”!.
A mais recente foi em Guaratinguetá (SP), no início desta semana. A repórter Laurene Santos, da TV Vanguarda, afiliada da TV Globo no Vale do Paraíba, perguntou ao presidente por que ele não estava usando a máscara como manda a lei. A resposta foi uma sucessão de gritos e palavrões, em um notório ataque de fúria: “Você está feliz agora? Essa Globo é uma merda de imprensa. Cala a boca! Vocês são uns canalhas. Vocês fazem um jornalismo canalha. Vocês não ajudam em nada. Vocês destroem a família brasileira, a religião. Você tinha de ter vergonha de prestar esse serviço porco à Rede Globo”.
Mas se ele acha que está acima da Lei está muito enganado. Na mesma semana em que surtou, arrancando a máscara, e gritando palavrões à repórter que estava ali trabalhando, a 6ª Vara Cível Federal de São Paulo ordenou que a União Federal pague R$ 5 milhões de reais para reparar danos morais contra as mulheres causados por falas dele e de membros do seu governo. A sentença ainda determina que outros R$ 10 milhões sejam destinados para campanhas publicitárias com o objetivo de conscientizar sobre situações de violência e desigualdade experimentadas pelas mulheres, divulgação de direitos das vítimas femininas de violência e no uso de políticas públicas implementadas para alcançar a igualdade de gênero.
A decisão da juíza Ana Lúcia Petri (outra mulher!) sustentou que:
"as declarações atribuídas a tais agentes, ocupantes de cargos de elevada hierarquia do Poder Executivo e do Poder Legislativo, não podem ser reduzidas ao patamar de meras opiniões pessoais ou expressão da individualidade dos emissores”.
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