Recentemente li uma matéria "antiga" (publicada em 2017) sobre o vocabulário que as pessoas já deveriam conhecer àquela altura. Refleti que nem todas eram tão claras para mim e achei que seria interessante fazer um pequeno "dicionário"com algumas dessas palavras. Como são muitas, vou começar com apenas algumas, por isso dei o título de parte 1. Em outras oportunidades, novas palavras serão acrescidas e irei publicar as partes 2, 3 e assim por diante. Então vamos lá... segue um pequeno dicionário feminista para você não passar vergonha por aí.
FEMINISMO
Se você acredita na igualdade entre homens e mulheres, você é feminista. Por mais evidente que deveria parecer a esta altura, o equívoco na hora de definir o feminismo acaba dando origem a frases como “não acho que é preciso ser feminista nem machista, porque os extremos nunca são bons nem para um lado nem para o outro” (pronunciada pela celebridade espanhola Paula Echevarria).
Feminismo é um movimento social por direitos civis, protagonizado por mulheres, que desde sua origem reivindica a igualdade política, jurídica e social entre homens e mulheres. Sua atuação não é sexista, isto é, não busca impor algum tipo de superioridade feminina, mas a igualdade entre os sexos.
A palavra feminismo foi usada pela primeira vez na primeira metade do século XIX pelo filósofo francês Charles Fourier (1772-1837), autor do livro “Teoria dos quatro movimentos”, no qual afirma que o progresso da sociedade como um todo tem como pré-condição a conquista de direitos pelas mulheres.
FEMINAZI
Descontextualizado, "feminazi" pode parecer só um termo bobo. Popularizada pelo conservador Rush Limbaugh em 1992 para criticar o feminismo militante, essa palavra é usada em sentido pejorativo para se referir a feministas tachadas como radicais, sob o argumento de que o feminismo não procura a igualdade entre homens e mulheres. Em seu livro The Way Things Ought to Be (“Como as coisas deveriam ser”), Limbaugh compara as feministas pró-aborto aos nazistas, referindo-se ao movimento como um “holocausto moderno”.
Ninguém que tenha o mínimo de cognição, interesse ou conhecimento seria capaz de comparar duas linhas tão opostas de pensamento como o nazismo e o feminismo: uma defendendo a exclusão e a outra a inclusão. Para além disso, como ressaltam a jornalista Gloria Steinem e o recém publicado livro Se Isto é Uma Mulher, de Sarah Helm, o próprio nazismo se posicionou fortemente contra o feminismo, perseguindo ativistas e pensadoras, fechando clínicas de planejamento familiar e declarando o aborto um crime.
A popularização do termo, porém, já extrapola os limites dos direitos reprodutivos e acompanha a popularização do próprio debate feminista, infestando todos os temas possíveis, seja em redes sociais, meios de comunicação ou eventos. Basta que uma mulher "ouse" sair do espaço de fala para ela "delimitado" para que seja submetida ao jugo do termo e, em decorrência, desacreditada e calada. E a ideia é exatamente essa: não debater, mas silenciar.
FEMISMO
Esse neologismo é usado em português para definir o “machismo ao contrário”, ou seja, a noção de que as mulheres são superiores aos homens.
Costuma ser equiparado à misandria (ódio aos homens). Mas a verdade é que não existem organizações femistas, nem um movimento femista. Portanto, é uma palavra usada pejorativamente por quem se incomoda com o feminismo.
MACHISMO
O machismo é um preconceito, expresso por opiniões e atitudes, que se opõe à igualdade de direitos entre os gêneros, favorecendo o gênero masculino em detrimento ao feminino. Ou seja, é uma opressão, nas suas mais diversas formas, das mulheres feita pelos homens. Na prática, uma pessoa machista é aquela que acredita que homens e mulheres têm papéis distintos na sociedade, que a mulher não pode ou não deve se portar e ter os mesmo direitos de um homem ou que julga a mulher como inferior ao homem em aspectos físicos, intelectuais e sociais.
O pensamento machista é cultural e inerente aos diversos aspectos de uma sociedade. Tendo sido normalizado por muito tempo, há apenas algumas décadas esse comportamento é problematizado, especialmente pelos movimentos feministas, que lutam pela igualdade de gênero. Mas não é todo mundo que concorda que o machismo deve ser combatido, o que faz com que, apesar dos esforços feministas, ele ainda esteja presente em tantos ambientes.
MICROMACHISMO
Se um homem diz que não cumpre as tarefas do lar porque “não sabe” ou porque “as mulheres o fazem melhor”, podemos falar em micromachismo. O mesmo ocorre quando o garçom serve a cerveja direto para o homem da mesa sem perguntar quem a pediu, ou quando entrega a conta para ele.
O termo micromachismo foi cunhado pelo psicoterapeuta espanhol Luis Bonino Méndez em 1991, contudo, apenas recentemente começou a ser mais discutido. No artigo Micromachismos: La Violencia Invisible en la Pareja (Micromachismos: A Violência Invisível entre Parceiros), este autor escreve que a violência de gênero pode ser pensada como “toda ação que coage, limita ou restringe a liberdade e dignidade das mulheres” e, nesse sentido, “são ignoradas múltiplas práticas de violência e dominação masculina no cotidiano, algumas consideradas normais, algumas invisibilizadas e outras legitimadas, e que, por isso, são executadas impunemente”.
Diante disso, existem atitudes e frases que colocam as mulheres como inferiores ou subordinadas aos homens, nas quais é mais fácil notar o machismo. Já os micromachismos se manifestam de maneiras muito sutis. São pequenos gestos, expressões e comentários que não reconhecemos – tão facilmente – como machistas por estarem enraizados na cultura sexista. Segundo a advogada e pesquisadora Nicole Weber, são denominados micro exatamente pela razão de que não percebemos o machismo neles.
Confira nos vídeos a seguir, alguns exemplos de frases de micromachismos lidas por homens:
SORORIDADE
Do latim soror, que significa irmã, a palavra sororidade significa a união entre as mulheres. Mas o conceito vai além, e sustenta que sororidade trata de empatia e solidariedade real feminina. Isso inclui deixar de incitar a rivalidade entre o gênero.
Na palestra Todos devemos ser feministas, da autora Chimamanda Ngozi Adichie, do TEDx, que disponibilizamos aqui no Pondo as Cartas na Mesa, ela fala claramente do problema:
“Nós criamos as meninas para se enxergarem como competidoras — não para trabalhos ou conquistas, o que eu acho que pode ser uma coisa boa —, mas para conseguirem a atenção dos homens.”
A sororidade significa justamente o contrário e parte do princípio que, juntas, as mulheres poderiam ter mais conquistas, seja uma incentivando, apoiando ou só deixando de julgar a outra.
CULTURA DO ESTUPRO
Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública em seu último levantamento, há 180 estupros por dia no Brasil e 4 meninas de até 13 anos são estupradas a cada hora. E essa aterrorizante realidade não é exclusiva do Brasil.
A cultura do estupro se refere a uma sociedade que permite e tolera as agressões sexuais, se culpa a vítima, se banaliza o estupro ou se considera que não se trata de estupro quando o autor é o companheiro da vítima. Uma sociedade na qual o desejo masculino parece estar a cima de todos os demais e na qual, internacionalmente, apenas 5% dos julgamentos por estupro acabam em condenação, segundo o Alto Comissariado para os Direitos Humanos (ACDH) das Nações Unidas, dirigido por Louise Arbour. Coisas do tipo “é isso que acontece quando você fica bêbada ou por se mostrar demais”, os juízes que perguntam se você “fechou bem as pernas” ou os policiais que questionam as mulheres que ousam fazer uma denúncia, todos esses são exemplos de como a cultura do estupro se perpetua.
FEMINÍCIO
Assassinato de uma mulher em função de seu sexo. Trata-se de um crime de ódio contra mulheres e meninas pelo simples fato de elas serem mulheres ou meninas. Diana Russel foi pioneira no seu uso (‘femicide’, em inglês) e se costuma distinguir entre feminicídio íntimo (cometido por uma pessoa com quem a vítima tinha ou havia tido uma relação sentimental) e não íntimo (perpetrado por uma pessoa ou grupo de pessoas com quem a vítima não tinha ou não havia tido nenhuma relação sentimental ou parentesco).
Segundo o Atlas da Violência 2020, 1 mulher é assassinada a cada 2 horas no Brasil.
PATRIARCADO
A palavra patriarcado vem através da combinação de palavras de origem grega, pater, que significa pai; e arkhe, que significa origem ou comando. Sobretudo, de modo literal, a palavra patriarcado significa a autoridade do homem através da figura do pai.
Inclusive, esse termo foi utilizado durante anos e anos para descrever um modelo de família, a qual era dominado pelos homens. Enquanto isso, os agregados da família eram as mulheres, crianças, servos domésticos e escravos, todos sob os domínios e ordens do “chefe da família”.
Na maioria das sociedades, os homens e as mulheres não tiveram os mesmos direitos. Neste sentido, o homem tem tido, e em muitos lugares ainda, uma posição privilegiada na sociedade. Este fenômeno é chamado patriarcado.
MISOGINIA
A misoginia é um sentimento de aversão patológico pelo feminino, que se traduz em uma prática comportamental machista, cujas opiniões e atitudes visam o estabelecimento e a manutenção das desigualdades e da hierarquia entre os gêneros, corroborando a crença de superioridade do poder e da figura masculina pregada pelo machismo.
É claro que a misoginia e machismo estão relacionados, já que este ódio às mulheres é um aspecto central do preconceito sexista, servindo como base para a opressão de mulheres em sociedades patriarcais, que colocam o sexo feminino em posições subordinadas e sem poder de decisão.
Diante disso, é completamente comum vivenciar a misoginia diariamente – não apenas em atitudes extremas, mas também nas que parecem inofensivas.
Confira abaixo alguns exemplos de como ela pode acontecer no dia a dia:
MANSPLAINING
Quando um homem explica algo a uma mulher, e o faz de maneira condescendente porque dá como certo que sabe mais do que ela, podemos falar de mansplaining. Rebecca Solnit cunhou esse termo em 2008 no seu livro Os Homens Explicam Tudo para Mim para dar nome a uma situação que ela havia vivido numa festa: um homem tentando lhe esclarecer do que se tratava um livro que ela mesma tinha escrito. O mansplaining está tão enraizado socialmente que até a própria Rebecca, que é uma reputada ensaísta e escritora com mais de duas dezenas de livros publicados, se flagrou duvidando do seu conhecimento e procurando na internet dados sobre o movimento das mulheres pela paz (sobre o qual ela tinha pesquisado previamente) só porque algumas horas antes um homem a menosprezou, afirmando taxativamente que uma de suas teorias era mentira (não era)”.
MANTERRUPTING
Manterrupting é quando um homem interrompe uma mulher de forma desnecessária, conscientemente ou não.
O termo surgiu com o artigo “Speaking while Female” (falando enquanto mulher), publicado em 2015 no “The New York Times”, escrito por Sheryl Sandberg, chefe de operações do Facebook, e Adam Grant, professor da escola de negócios da University of Pennsylvania.
A dupla citou um estudo feito por psicólogos de Yale que mostra como senadoras americanas se pronunciam significamente menos que seus colegas masculinos de posições inferiores.
“Nós dois vimos isso acontecer inúmeras vezes. Quando uma mulher fala num ambiente profissional, ela caminha na corda bamba. Ou ela mal é ouvida ou ela é considerada muito agressiva. Quando um homem diz exatamente a mesma coisa, seus colegas apreciam a boa ideia”
Sheryl Sandberg e Adam Grant
Pesquisadores, em artigo no “NYT”
Em 2009, enquanto Taylor Swift recebia o prêmio de melhor vídeo feito na categoria feminina no MTV Video Music Awards, o rapper Kanye West subiu ao palco, arrancou o microfone da mão da cantora e impôs sua opinião em momento inoportuno: “Vou deixar você terminar [o discurso de agradecimento]. Mas Beyoncé fez um dos melhores vídeos de todos os tempos.”
“[O episódio] no VMA pode ter sido contabilizado como entretenimento, mas pergunte a qualquer mulher no mundo do trabalho e todas nós reconhecemos o fenômeno. Falamos numa reunião, apenas para ouvir a voz de um homem soar mais alto. Sugerimos uma ideia, talvez com incerteza - para ver um cara repeti-la com autoridade. Podemos ter a habilidade, mas ele tem as cordas vocais certas - o que significa que nos calamos, perdendo nossa confiança (ou pior, o crédito pelo trabalho)”
Jessica Bennett
Jornalista, em artigo na revista “Time”
Segundo Bennett, a atitude de inúmeros outros homens no ambiente de trabalho vem de décadas de história em que eles foram ensinados a liderar, enquanto mulheres foram ensinadas a criar os filhos. Então quando elas assumem posições historicamente masculinas, em que tomam decisões e dão ordens, são vistas de forma negativa.
E não apenas por homens, mas por outras mulheres também. Uma pesquisa de 2014, da George Washington University, mostrou que os dois gêneros tendem a interromper mais seu interlocutor quando a pessoa com quem conversam é uma mulher.
Bom, a parte 1 do dicionário fica por aqui. Muitas outras palavras ficaram de fora: Objetificação, Pussy Hat, Empoderamento, Masculinismo, Manspreading, Teto de vidro, Bropriating, Gaslighting, entre tantas outras. Mas farei outros posts explicando cada uma delas. Espero que eu tenha ajudado a esclarecer alguns termos e, qualquer dúvida, nos escreva. Não deixe de acompanhar nosso blog para saber mais sobre saúde mental, gênero e feminismo. Valeu!
Nem imaginava que havia tantos aspectos relacionados a esse tema! Vivendo e aprendendo! E não vou parar de ler, porque muitas vezes nem prestamos atenção a tantos aspectos que são gritantes contra nós , mas que se tornaram " normais " . Continue abordando tudo isso !
Aprendi pacas! Eu achando q era feminista já, me descobri pseudo... rs
ansiosa pelo próximo! Obrigada!