Há uma compreensão consolidada sobre a existência de desigualdade entre homens e mulheres no mercado de trabalho, sobretudo na renda. A partir desse degrau de conhecimento, o desafio passa a ser investigar as condicionantes dessa desigualdade de gênero.
Jerônimo Oliveira Muniz, professor associado e pesquisador do Programa de Pós-graduação em Sociologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Diretor do Centro de Pesquisas Quantitativas em Ciências Sociais (CPEQS) e Carmelita Zilah Veneroso, Mestra em Sociologia pela UFMG, se propuseram a aprofundar nas razões desse problema. Juntos produziram um artigo que investiga o efeito da maternidade na probabilidade de inserção ou não da mulher no mercado de trabalho e mensura as diferenças de rendimentos entre homens e mulheres por classe de renda a partir da seleção ocupacional, diferenciais de capital humano e número de filhos.
Para mapear a desvantagem feminina no mercado de trabalho, inserção e rendimento, consideraram a interdependência entre gênero e classe social, bem como a influência dessas dimensões sobre a desigualdade de rendimento entre homens e mulheres e entre mulheres de diferentes classes sociais com filhos. A proposta de avaliar mulheres com filhos foi de:
(i) mensurar a penalidade materna por meio do impacto diferencial que a quantidade de filhos tem sobre as chances de homens e mulheres ingressarem no mercado de trabalho, e
(ii) investigar o hiato salarial entre homens e mulheres nas classes sociais baixa, média e alta.
Durante o desenvolvimento do estudo, levantou-se, na literatura de estratificação e desigualdade de gênero, as fontes da desigualdade de gênero e identificou-se que os diferenciais de produtividade e de inserção ocupacional entre homens e mulheres e a discriminação, quando combinados, explicariam a maior parte da desvantagem laboral feminina. E se debruçaram sobre cada um desses 3 fatores para entender o hiato salarial de gênero. Em seguida, avaliaram se o número de filhos e classe de renda são características que resultam em desigualdade de rendimentos entre homens e mulheres, similares em seus atributos produtivos observáveis.
Constatou-se que:
a maternidade afeta negativamente a participação das mulheres pobres no mercado de trabalho de forma diretamente proporcional ao número de crianças pequenas presentes no domicílio;
a potencial discriminação social de gênero, expectativas sobre as normas de divisão sexual do trabalho induzidas pela maternidade, não atinge as pessoas no topo da distribuição de renda tanto quanto aquelas que se encontram na base, o que sugere que classe, gênero e maternidade são características discriminatórias que podem estar atreladas a percepções e tratamentos diferenciais por parte do empregador;
ainda que homens recebam salários 44% maiores que os das mulheres, minora-se esta diferença média para 17% ao se comparar homens e mulheres parecidos entre si;
a razão de rendimentos entre homens e mulheres é maior entre os 5% mais pobres do que entre os 5% mais ricos. Homens de classe baixa ganham em torno de 50% a mais que as mulheres, mesmo sob as mesmas condições de inserção ocupacional e produtividade;
entre as pobres, a desigualdade mantém-se pervasiva e elevada. Já na classe alta, a desigualdade de rendimentos entre gêneros não é significativa.
Desse modo, mulheres que ganham mais estão em menor desvantagem ao terem filhos do que as mulheres de classe baixa, haja vista que melhores salários permitem a terceirização dos trabalhos domésticos e de cuidado dos filhos. As mães de classe alta não precisam, necessariamente, optar entre cuidar da família ou trabalhar fora.
A penalidade materna é mais severa para a inserção de mulheres de classe baixa no mercado de trabalho, a imbricação do papel de gênero e classe tem um peso maior, haja vista que a escassez de recursos inviabiliza a conciliação entre vida profissional e familiar.
Além disso, concluiu-se que a maternidade não é o principal fator que influencia o hiato sexual de rendimentos e que a desigualdade de renda é favorável aos homens que se encontram nas classes baixa e média, mas não entre os mais ricos.
O estudo encerra com a provocação de que enquanto as desigualdades de gênero forem percebidas e midiatizadas apenas na média, sem ater-se aos seus condicionantes mais fortes e as classes sociais nos quais ela é maior, mais difícil será sua redução por meio de respostas institucionais transversais adequadas àquelas que mais necessitam.
*Este texto foi integralmente produzido a partir do artigo: “Diferenciais de Participação Laboral e Rendimento por Gênero e Classes de Renda: Uma Investigação sobre o Ônus da Maternidade no Brasil”, de Jerônimo Oliveira Muniz e Carmelita Zilah Veneroso. Publicado na Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol.62(1):e20180252, 2019.
*Link do artigo: www.scielo.br/pdf/dados/v62n1/0011-5258-dados-62-1-e20180252.pdf
*Na construção desse texto, fez-se uso de transcrições, de simplificações e de generalizações do artigo original.
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