Mais um feminicídio pra conta. A conta desoladora que cresce assustadoramente neste país desgovernado – dominado pela violência, pela falta de empatia, por um vírus em descontrole, UTIs sem vagas e vacinas escassas distribuídas em doses homeopáticas. Uma realidade que deixa desesperançado o maior de todos os otimistas. Eu sempre me considerei um(a) deles(as). Já nem sei mais.
Sei que quando leio que mais uma mulher foi assassinada, que teve sua vida interrompida pela brutalidade de um monstro qualquer, não me entristeço apenas. Me dá uma indignação, uma vontade de sair defendendo a prisão perpétua no Brasil, porque esse tipo de homem deveria ficar encarcerado para todo o sempre.
Mas vamos à notícia. Na última sexta-feira (16), Gabriela Cardoso de Brito, de 35 anos, conversava com a vizinha na frente de casa, aqui em Brasília, no Paranoá. E o ex, de quem ela já estava separada há seis meses, chegou atirando. Atingiu a amiga dela na perna e Gabriela, no ombro, e no rosto. Ela morreu na hora. A amiga sobreviveu.
Paulo Augusto dos Santos Rodrigues, 31 anos, entra para as estatísticas como mais um assassino de mulheres que se mata em seguida. Dez metros depois de onde cometeu o crime, deu um tiro na própria cabeça.
O que me assusta, e inconforma, é que o cara tinha nove ocorrências registradas pela Polícia Civil do DF. Todas envolviam Gabriela. Em 22 de março, Paulo Augusto chegou a ser preso por uma sentença condenatória de ameaça contra ela, mas foi posto em regime domiciliar em 12 de abril. Quatro dias depois, a matou.
Uma semana antes de Gabriela, no dia 9 de abril, Tatiane Pereira da Silva, de 41 anos, também moradora do Paranoá, teve uma briga com o marido, Manoel da Silva, que a mordeu e a esfaqueou na perna. No dia seguinte, a mãe a convenceu a procurar a polícia e registrar a ocorrência. Seria “apenas” mais um caso de violência doméstica, não fosse o fato de Tatiane começar a passar mal na segunda-feira (12), ser internada às pressas e morrer em decorrência das agressões sofridas. Manoel está preso.
No fim de março, em Samambaia Sul, Fernando Silva Camargo, de 30 anos, discutiu com a mulher, a radialista Evelyne Ogawa, de 38, e decidiu por fim à vida dela, usando um fio de telefone para estrangulá-la. No dia seguinte, já acompanhado do advogado, foi à delegacia e confessou o crime.
Gabriela, Tatiane e Evelyne, infelizmente, não são as únicas. Este ano, só aqui no DF, em pouco mais de três meses, oito mulheres já foram assassinadas por seus companheiros ou ex. Um levantamento de sete veículos independentes, com base nas estatísticas das Secretarias Estaduais da Segurança Pública, que deu origem à série “Um vírus e duas guerras”, mostrou que, entre março e dezembro de 2020, pelo menos 1.005 mulheres foram vítimas de feminicídio no Brasil, o que corresponde a três assassinatos por dia. Até quando?
Na narrativa mítica da Grécia Antiga, Sísifo foi condenado pelos deuses a empurrar uma pedra até o topo de um monte. Ao atingir o cume, a pedra, claro, rolava morro abaixo. No dia seguinte, Sísifo reiniciava o trabalho, que seria repetido por toda a eternidade. Que a luta contra o feminicídio no Brasil e no mundo não se torne um mito de Sísifo. Porque a gente não aguenta mais ver as mulheres morrerem.
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