Catharine A. MacKinnon é advogada e professora na Faculdade de Direito na Universidade de Michigan (University of Michigan Law School) e professora visitante na Faculdade de Direito da Universidade de Harvard (Harvard Law School). De 2008 a 2012 foi a primeira Consultora Especial de Gênero da Promotoria do Tribunal Penal Internacional (the Prosecutor of the International Criminal Court). Seus livros, traduzidos para vários idiomas, incluem Sexual Harassment of Working Women (1979), Feminism Unmodified (1987), Toward a Feminist Theory of the State (1989), Only Words (1993), Women's Lives, Men's Laws (2005), Are Women Human? (2006), Sex Equality (2016) e Butterfly Politics (2017).
Seu incansável trabalho em prol da igualdade de direitos entre os gêneros tornou possível o reconhecimento, nos EUA e no mundo, da ilegalidade do assédio sexual no emprego e na educação. No final da Guerra do Kosovo, ocorrida na década de 1990, representou mulheres bósnias sobreviventes de atrocidades sexuais sérvias e conseguiu estabelecer, em tribunal internacional, o reconhecimento legal de estupro como crime no nível do genocídio. Ela atua em entidades contra o tráfico de mulheres como a Coalition Against Trafficking in Women (CATW). Nos últimos anos tem-se dedicado ao estudo dos danos causados às mulheres pela violência pornográfica.
Catharine A. MacKinnon escreveu o artigo “Are Women Human?” que foi traduzido para o português por Magda Guadalupe dos Santos, professora doutora da PUC Minas e da FaE. UEMG. Pesquisadora de Filosofia e Teorias Feministas. O texto em português foi publicado na revista Virtuajus da Faculdade Mineira de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Brasil.
A partir da definição do que é um ser humano na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e dos direitos nela contidos, passados mais de 50 anos desde sua edição, nesse artigo, Catharine faz uma série de questionamentos para tentar responder a pergunta: As mulheres já são humanas?
“Se as mulheres fossem humanas, seríamos uma carga transportada da Tailândia, em contêineres, para os bordéis de Nova York? Seríamos escravas sexuais e reprodutivas? Seríamos criadas trabalhando sem pagamento durante a nossa vida inteira, queimadas quando o dinheiro do nosso dote não fosse suficiente ou quando os homens se cansassem de nós, morreríamos de fome, como viúvas, quando nossos maridos morressem (caso sobrevivêssemos à pira funerária), seríamos vendidas por sexo, porque não temos valor para nada mais? Seríamos vendidas em casamento a sacerdotes para expiar os pecados de nossa família ou melhorar as perspectivas terrenas de nossa família? Seríamos, quando autorizadas a trabalhar por um salário, obrigadas a trabalhar em empregos servis e ser exploradas quase a nível da inanição? Nossos órgãos genitais seriam cortados para nos "purificar" (nossas partes do corpo são sujas?), para nos controlar, para nos marcar e definir nossas culturas? Seríamos traficadas como coisas para uso sexual e de entretenimento em todo o mundo, por qualquer modo que a tecnologia atual tornar possível? Seríamos impedidas de aprender a ler e escrever?
Se as mulheres fossem humanas, teríamos tão pouca voz as deliberações públicas e no governo dos países em que vivemos? Seríamos escondidas por detrás de véus e presas em casas e seríamos apedrejados e levaríamos tiro por recusarmos? Seríamos espancadas quase até a morte, e mesmo até a morte, por homens de quem somos próximas? Seríamos molestadas sexualmente em nossas famílias? Seríamos estupradas em genocídio, para aterrorizar, excluir e destruir nossas comunidades étnicas, e estupradas novamente naquela guerra não declarada que ocorre todos os dias em todos os países do mundo, no que é chamado de tempo de paz? Se as mulheres fossem humanas, nossa violação seria desfrutada pelos nossos violadores? E, se fôssemos humanas, quando essas coisas acontecessem, praticamente nada seria feito a este respeito?”
Catharine ressalta que, à exceção das margens privilegiadas, ser mulher “ainda não é uma designação para um modo de ser humano”, nem mesmo nesse que é o mais visionário dos documentos de direitos humanos, afirma. Ao confrontarmos a realidade das mulheres frente as garantias da Declaração Universal, não apenas as mulheres não têm os direitos nela previstos, a maioria dos homens do mundo também não tem. A dificuldade está em enxergar a figura da mulher em sua perspectiva de humanidade.
Nesse sentido, eu pergunto: quais questionamentos podemos fazer sobre a realidade das mulheres brasileiras considerando as perspectivas de raça e de classe para avaliarmos sua condição de humanidade e o quão distante está essa condição das margens privilegiadas do nosso país?
Referências:
Na construção desse texto, fez-se uso de transcrições, de simplificações e de generalizações do texto original.
Este texto foi integralmente produzido a partir da transcrição de trechos da seguinte fonte bibliográfica:
MACKINNON, Catharine A. As Mulheres são Humanas? Tradução de Magda Guadalupe dos Santos. Virtuajus, Belo Horizonte, v. 5, n. 8, p. 15-19 (2020): Ética, Direitos e Novo Humanismo.
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